Depois de mais de três décadas de atuação no Cariri, principalmente no combate ao tráfico de fósseis, funcionários do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) foram surpreendidos com o fechamento do escritório do órgão. O DNPM foi substituído, no início de dezembro, pela Agência Nacional de Mineração (ANM), com mudanças na estrutura organizacional, que envolve a fiscalização, regulação e proteção dos recursos minerais.
Especialistas destacam a importância da atuação do escritório na região e que, mesmo com pouca infraestrutura e reduzido quadro técnico, é inegável, conforme ressaltam, a redução significativa do tráfico de fósseis.
Área com grande diversidade da fauna e da flora, a Chapada do Araripe está entre os estados do Ceará, Piauí e Pernambuco, onde se encontra a maior reserva a céu aberto de fósseis do Período Cretáceo do Planeta, com peças de mais de 110 milhões de anos, Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Proteção Permanente (APP), além da mais antiga reserva florestal reconhecida por decreto, a Floresta Nacional do Araripe, de 1946. Ainda assim, no fim de 2015, a região foi surpreendida com o fechamento do escritório do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com sede em Crato.
Por essa condição, o chefe do escritório do DNPM, Artur Andrade, que diz conhecer por todos esses anos, a área da APA como a palma da sua mão, lamenta o fechamento do escritório e já se organiza para ter que voltar a atuar por meio da ANM, dessa vez em Fortaleza.
Mesmo em todos esses anos, com um trabalho constante na área da Chapada, em locais de exploração do calcário laminado, a exemplo de Nova Olinda e Santana do Cariri, com dezenas de minas sendo exploradas, a presença do DNPM não chegou a inibir totalmente o tráfico de fósseis. Os pesquisadores que realizam atividades na região, afirmam que sem a continuidade do órgão, a situação se agrava.
Momento preocupante
O pesquisador e coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), Álamo Feitosa, doutor em Paleontologia, diz que essa é uma preocupação a mais, já que muitas denúncias passam a ser feitas via internet.
Ele ressalta que os moradores da Chapada, o homem simples, sentirão dificuldades, por não terem acesso a esses canais e não usarem internet. Com a maior presença de pesquisadores nos locais onde há incidência de fósseis, essa seria uma alternativa que poderia minimizar o problema, já que nos últimos anos tem aumentado a quantidade de estudiosos da própria região interessados em pesquisar os fósseis.
O diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, Sérgio Vilaça, diz que é preocupante, neste momento, a ausência de órgãos importantes, como a ANM, no processo de fiscalização das áreas de exploração de calcário, onde são encontradas muitas peças de fósseis. Ele disse que o museu está preparado para receber os novos exemplares, que serão repassados pela Agência.
Segundo Artur Andrade, a publicação no regimento interno da ANM da extinção do escritório já ocorreu. De qualquer forma, mesmo com a possibilidade de fechamento, ainda se esperava a continuidade dos trabalhos na região, com uma agência mais enxuta.
“Muita coisa foi modificada. As superintendências estaduais perderam alguns status, ficando com as mesmas funções, inclusive responsáveis pelo material fossilífero. No Ceará, esse era o único escritório do órgão no interior”, disse. Todo o trabalho de pesquisa realizado na área da Chapada do Araripe com bens minerais, normalmente eram requeridos pelo órgão, por meio do escritório.
Vistorias em 10 mil m²
O geólogo Artur Andrade afirma que o escritório do DNPM no Cariri foi aberto num período de grande incidência do tráfico. Ele atuava numa área de 10 quilômetros quadrados, na área de Paleontologia, com mais um técnico que respondia pela parte administrativa.
Quando havia necessidade de vistoria numa área mais ampla, era requisitado o apoio dos técnicos de Fortaleza, Rio de Janeiro, Brasília, entre outros estados, além da parceria com órgãos como a Polícia Federal, Polícia Militar, Ministério Público e a própria Urca, contribuindo por meio do Geopark Araripe.
A atividade de fiscalização na área de mineração, de acordo com Artur, não vai ter muitas mudanças, por não ser diuturnamente. “O minerador tem que comunicar uma série de atividades à Agência”, explica. Haverá uma programação de vistorias de duas a três vezes ao ano, e extra, no caso de alguma atividade ilícita em mineração.
Com relação aos aspectos paleontológicos, conforme o chefe do escritório, a atividade vai cair muito. A agilidade com os técnicos instalados na região era maior para o deslocamento, além de tomar um posicionamento mais rápido. “Acredito que irei retornar para Fortaleza, e toda a atividade de fiscalização ficará com a Agência”, afirma. Caso ele continue no trabalho, haverá uma programação para ter que vir à região desenvolver as atividades, por conhecer há mais tempo a área.
Fósseis serão doados
Há cerca de 500 peças expostas e pelo menos 30 mil depositadas no local, resultado de apreensões. A Prefeitura Municipal de Santana do Cariri solicitou oficialmente o material, além da Urca, por meio do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri. O escritório ainda atuou até a semana passada com o que estava agendado em termos de trabalhos de pesquisas na região.
Artur avalia que o DNPM contribuiu enormemente com a diminuição da atividade ilícita, a fiscalização, com parcerias, além de diversos projetos de educação, na área de legislação e técnica de retirada de fósseis. Ele ressalta a grande carência social na região, nos aspectos econômicos e no próprio conhecimento nos aspectos paleontológicos.
“A saída do órgão dificulta a atividade de fiscalização, que embora continue, será tratada com outra logística, e toda a atividade será comunicada aos órgãos de Fortaleza”, explica.
Cariri perde, meio ambiente também
Há mais de duas décadas na região, possivelmente Artur continue atuando no Cariri, por meio da ANM. Ele reconhece que a região, de certa forma, acaba perdendo. “A área ambiental é fundamental no Cariri com a presença da primeira Floresta Nacional. Não entendo, mas iremos continuar esse trabalho, na medida do possível”, diz ele.
O diretor do Museu de Paleontologia, Sérgio Vilaça, não esconde a sua preocupação com o fechamento do escritório, já que havia um diálogo direto com a Polícia Federal, e as questões envolvidas eram trabalhadas mais facilmente, no sentido de coibir algum tráfico. Ele acredita que esse é um processo que vem sendo desencadeado no Brasil. “Ainda não dá para avaliarmos os resultados desse novo processo, mas é temerário”, alerta ele.
Para o diretor, nesse momento é possível abrir uma nova condição de diálogo com o escritório em Fortaleza, e criar possibilidades para contrabalançar essa questão. Uma delas é trabalhar alguma campanha para ter essa continuidade de preocupação de coibir o tráfico, em parceria com os moradores das comunidades.
Ele disse que os fósseis que estão no local já foram solicitados, via reitoria da Urca e a Prefeitura de Santana do Cariri. “Nosso laboratório está preparado para receber e tem a temperatura ideal para o acondicionamento, e tem pesquisadores com capacidade para examinar esse material”, afirma.
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